Quantidade e Qualidade: Como Manter Juntas?
Rafael Rossi – Evangelismo UCB
No mandato evangelístico de Jesus, encontramos estes dois aspectos que norteiam a missão da igreja: “Ide por todo mundo” (quantidade), “fazendo discípulos” (qualidade). Na prática, o equilíbrio entre qualidade e quantidade não é simples.
É difícil manter uma igreja em crescimento contínuo e com qualidade. Hoje, a busca desenfreada pela quantidade parece tomar conta da mente e do coração de muitos líderes religiosos e isso tem gerado crescimento sem qualidade, e esse tipo de crescimento mostra uma igreja que está apenas inchando.
Qual é ponto de equilíbrio? Procurarmos e querermos o crescimento do corpo de Cristo. A Bíblia nos apresenta princípios que podem nos ajudar a estabelecer diretrizes que equilibram o crescimento e a qualidade.
A história de Neemias, nos quatro primeiros capítulos de seu livro, apresenta diretrizes que estabelecem marcos da rota de um crescimento equilibrado. Nesse trecho existem alguns princípios básicos:
1- Inconformidade
Neemias recebeu a visita de um dos seus irmãos, Hanani, que perguntou sobre os judeus que escaparam e não foram levados para o cativeiro. Ele fora levado cativo a Susã, na Pérsia. Na prisão, Neemias tornou-se homem de confiança do rei; era copeiro. Tinha assim um lugar privilegiado e de grande responsabilidade no reino persa.
Essa estabilidade não era razão para não ficar inconformado com a notícia que recebera. Jerusalém estava destruída. Muros, que representavam a segurança, estavam derrubados. A porta estava queimada.
Só há crescimento com qualidade se estivermos inconformados – quando saímos da nossa zona de conforto pessoal. Somente uma liderança inconformada busca quantidade e se esforça para que haja também qualidade. Reconhecemos os grandes feitos do Senhor em nossa igreja e em nossa região. Os números mostram o avanço sólido da igreja. Realizamos e sonhamos muito.
Esses mesmos números nos mostram outra realidade. Ainda não terminamos a obra para a qual fomos chamados (Mt 24:14), por isso, ainda estamos inconformados com a situação em que vivemos.
Algumas perguntas nos ajudam a esclarecer melhor de que maneira o princípio da inconformidade pode ajudar no estabelecimento da visão que a igreja local tem:
O que temos feito para avançar com a pregação do evangelho?
Podemos fazer mais? Qual é a relevância da minha igreja na comunidade em que ela está inserida?
Minha igreja está fazendo a diferença?
Os membros e as famílias estão melhorando? Na educação dos filhos, posso me conformar?
A base do crescimento começa na inconformidade. Há muito crescimento até a visão de qualidade que Jesus deixou em João 10:10: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.
2- Visão
A visão é ver o que ninguém vê. Primeiramente, Deus dá a visão ao líder e ele é o responsável por plantar e incutir no coração dos liderados aquilo que Deus já colocou no coração dele.
A visão de Neemias foi dada por Deus e entrou diretamente na mente dele, tornando-se sua visão pessoal. Estamos querendo chegar aonde nossos desejos e ambições almejam ou aonde Deus quer que cheguemos? O que Deus está querendo para minha igreja? O que Deus quer para meu ministério?
A visão humana é limitada, mas qual é a visão de Deus para mim? O copeiro tinha uma pretensão: reconstruir uma cidade inteira. Ele que vivia servindo a comida e a bebida do rei, agora, tinha uma visão que era grandiosa demais até para ele. E esse é o caminho de Deus para o seu desenvolvimento.
A visão de Deus é maior do que as habilidades que temos. Se você quer qualidade e crescimento, é necessário pedir a Deus essa visão. “Quero ir além das minhas possibilidades.”
Lembre-se de que a direção vem antes da velocidade. Sem direção, não importa a velocidade: ela somente acelerará seu fracasso. A visão tem que ver com aonde quero chegar. Temos muito que aprender e entender. Todas as vezes que a igreja é desafiada, ela cresce e se desenvolve, e isso acontece quando se entende a visão de Deus.
Em certo sentido, visão é viver a vida de trás para frente. É enxergar as imagens dos resultados, mesmo antes de iniciar seu projeto.
3- Amor
O caminho para o alvo de qualidade com quantidade é árduo. É comum as pessoas ficarem frustradas e desencantadas. Isso pode levá-las a desistir e ficarem em apenas um dos lados.
Neemias se envolveu, não apenas superficialmente, mas ele chorou quando soube da situação em que Jerusalém estava. É preciso amar. E o mais difícil é continuar amando. Sem isso, corremos o risco de ser técnicos de igreja. Lembre-se de que Jesus não era gestor, ele era pastor.
Não podemos perder de vista o princípio de continuar amando. Amar é uma decisão que tomamos racionalmente e não apenas emocionalmente. Quando Jesus pede para amar, não nos pede para distinguirmos quem vamos amar, mas o amor deve ser dado a todos, inclusive aos nossos inimigos.
Na igreja, com o tempo de convivência, o amor vai produzindo desgastes. Percebemos pessoas diferentes na igreja ou na comunidade em que estamos. Nossa própria personalidade, a falta ou o excesso de intenções, algumas vezes, magoam pessoas e causam feridas.
O mais importante no ministério é lidar com gente. Os líderes devem ser especialistas em gente e investir na área relacional da igreja, obviamente, sem se esquecer da área doutrinária. Nesse relacionamento, a base é o amor.
Ninguém vai embora de onde é amado. A igreja pode e deve receber todo tipo de gente: fracassados, bem-sucedidos, dependentes químicos, entre outras pessoas que sofrem. Eles precisam encontrar na igreja um ambiente de amor.
Não sabemos amar como deveríamos em todas as instâncias e áreas de nosso ministério. O amor deve ser desenvolvido. Ele necessita de perdão.
Só conseguiremos amar pela graça em Jesus Cristo. E esse amor se aprende. Esse amor deve ser desenvolvido e exercitado em nosso ministério. Há quanto tempo não choramos pelas pessoas e pela situação de vida que muitas delas vivem?
4- Competência
Neemias qualifica e seleciona os homens que vão trabalhar com ele na reconstrução de Jerusalém. Treinamento é a maior arma que um pastor ou líder religioso tem. É preciso trabalhar na saúde emocional de nossos liderados, pois eles vão liderar outras pessoas.
Diante dessa responsabilidade, temos uma responsabilidade primordial para com Deus que é o nosso desenvolvimento pessoal. A partir daí, desenvolvemos ferramentas para que o mesmo grau de desenvolvimento que alcançamos nossos liderados também alcancem. A meta ideal é que nos ultrapassem aquilo que podemos chamar de princípio de João Batista: “… que Ele cresça e eu diminua…” [1].
Nossa liderança deve ter alto grau de qualificação. Aproveite as crises que sua igreja e seu ministério enfrentam para que você cresça. Avalie-se constantemente para alcançar mais qualidade. Lembre-se: liderança também requer conhecimento. Nunca se esqueça de estudar e se atualizar sempre. Faça do tempo “perdido” (trânsito, espera em filas etc.) tempo de proveito. Livros em MP3 constituem boa opção de “leitura” enquanto você está dirigindo.
“Cultivai vossos talentos com perseverante fervor. Educai e disciplinai a mente mediante o estudo, a observação e a reflexão. Não podeis alcançar a mente de Deus a menos que ponhais em uso todos os poderes. As faculdades mentais se fortalecerão e desenvolverão se vos puserdes a trabalhar no temor de Deus, com humildade e com fervorosa oração. Um propósito resoluto operará milagres”.
5- Reforma
O que eu faço com aquilo que impede a igreja de crescer? As reformas têm sempre que acontecer. E para isso é preciso coragem. Onde está a doença em minha igreja? Em alguns casos, é mais difícil convencer o doente da doença do que curar a própria doença. Enquanto o doente não entende a doença, ele não toma o remédio.
A igreja precisa descobrir onde estão suas doenças e de que ela precisa para tratá-las. Precisamos quebrar nossos paradigmas patológicos que impedem nossas igrejas de crescer. A teologia é o eixo que deve mover nossa igreja, e isso deve se refletir na igreja no sentido de que pastorado é dom, mas sacerdócio é universal: “sacerdócio real” (1 Pd 2:9).
Devemos migrar de “igrejas pastorcêntricas” (o pastor faz tudo) para “igrejas membrocêntricas” (o pastor treina e a igreja faz junto com o pastor).
6- Prioridade
O que é importante e significativo no ministério? Gastamos tempo com coisas que não valem a pena. Não perca seu tempo com Sambalate, Tobias e Gesém,[2] aqueles que querem atrapalhar sua visão, sua jornada.
Pessoas dispostas a criticar sua missão não são exclusividade de Neemias. Noé conviveu com elas. Os discípulos, Jesus e muitos outros que se dedicaram à pregação das boas-novas de salvação também se acostumaram com tais objeções.
Neemias tinha claro na mente seus objetivos, por isso, a exemplo de Paulo, ele partiu rumo ao objetivo. Lembre-se do “Princípio de Pareto 80/20”: 80% dos resultados que obtemos estão relacionados com 20% dos nossos esforços.
Em Neemias 4:4 e 5, encontramos o líder orando por tudo, mas se ocupava diretamente com aquilo que era seu foco.
7- Santidade
“É pela nossa conformidade com a vontade divina em nossas palavras, atos e caráter, que provamos nossa comunhão com Ele. Quando quer que alguém renuncie o pecado, que é a transgressão da lei, sua vida é posta em harmonia com essa lei, caracterizando-se por perfeita obediência à mesma. Esta é a obra do Espírito Santo.
A luz obtida pelo exame cuidadoso da Palavra de Deus, a voz da consciência e as operações do Espírito, produzem no coração o genuíno amor de Cristo, o qual Se deu a Si mesmo em sacrifício perfeito para salvar o homem todo – o corpo, a alma e o espírito. Esse amor se manifesta na obediência”.[3]
A santidade começa na vida pessoal. A partir daí o líder deve levar sua igreja em santidade, púlpito relevante, investir na Bíblia, visitação e acompanhamento dos membros. Sem isso, não há como pensar em equilíbrio entre quantidade e qualidade.
Neemias fez uma oração de entrega: “Eu e a minha casa pecamos.” Você tem visto diferenças em sua vida espiritual?
O grande problema é que podemos ser líderes de tempo integral, mas discípulos de tempo parcial. Esses princípios podem fazer a diferença no seu ministério.
No livro O Desafio da Liderança[4], os autores apresentam pessoas comuns que fizeram coisas extraordinárias e que deram vida a um modelo de liderança. O estudo envolveu 60.000 líderes e seguidores e detectou que eles eram capazes de desafiar a realidade, inspiravam uma visão compartilhada, permitiam a ação dos outros, apontavam o caminho e encorajavam o coração.
Exatamente os mesmos princípios que Neemias aplicou para realizar uma obra do tamanho que tinha diante dele. As tendências modernas de liderança apresentam os mesmos princípios praticados no passado por Neemias.
Deus não quer que vivamos de aparência. Ele deseja que coloquemos nossa existência diante dEle. Ele pode nos transformar. Nos momentos de dor, no sofrimento, na caverna com Elias, podemos ouvir o Espírito Santo que vem nos restaurar, para que tenhamos um ministério ainda melhor.
Esses sete princípios, quando transformados em realidade prática, darão resultados semelhantes aos alcançados por Neemias: equilíbrio entre a quantidade e a qualidade. Um desafio à igreja do século XXI.
[1] João 3:30
[2] Neemias 2:19
[3] Ellen G. White, Testemunhos Seletos, v. 2, p. 389, 390
[4] Kouzes e Posner, O Desafio da Liderança, p. 9
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